Papo de mulher

por André

Como de costume em todas as terças, subi a Barão da Torre em direção à Vinícius de Moraes para beber no bar da esquina. Era como um ritual anti-stress no meio da semana após um cansativo dia de trabalho.

Chegando lá, Elírio já estava numa mesa bem no centro. O lugar não estava cheio. Eram oito horas da noite e apenas alguns casais e amigos se escondiam atrás das tulipas de chopp.

– Fala, meu jovem. – Me cumprimentou Elírio ainda com a barba suja de espuma da cerveja.

Ele era aproximadamente 15 anos mais velho que eu. Solteiro convicto. Segundo o mesmo, enquanto eu desmamava e começava a vestir cuecas, ele já desfraldava as calcinhas das donzelas. Eu só ria e concordava, afinal era verdade.

Conversávamos, como habitualmente, sobre futebol. Até que uma mulher no canto do bar, perto da máquina de música, me chamou a atenção. Era bonita e usava uma saia que não sei descrever bem. Tinha a cintura alta e subia dois palmos do joelho. Dançava e me pareceu vulgar.

– Olha que safada, Elírio. – Disse esperando a concordância do amigo.
– Onde?
– Ali, cara. Tá cego?
– Puta por quê, garoto?.
– Olha as roupas dela, cara. Olha como dança.

– Garoto, já disse Hamlet: Há mais putas travestidas de meninas santas do que supõe imaginar a nossa vã filosofia. – Concluiu gargalhando.

Elírio se levantou, foi até o balcão e acendeu mais um cigarro. Era fumante ocasional. Quando voltou, disse:

– Não é isso que vai fazer dela vadia, meu jovem. Aquela deve ser uma mulher resolvida. Fica e dá para quem quiser. Com ela não tem historinha. O mal das mulheres modernas é justamente fazer o que os homens fazem e cobrar da gente um comportamento que elas mesmas não têm. Aquilo é um homem de saia, portanto honesta.

Diante disso só consegui rir, mas sem concordar. Elírio e suas catastróficas filosofias. Dei uma olhada randômica no ambiente e vi um casal sorrindo. A moça era linda. Parecia também ter saído do expediente e trajava uma roupa social.

– Olha que gata. Perfeitinha. – Disse.
– Tá maluco, cara? Uma puta! Não sabe que é? É a Lurdinha.
– Hum… é mesmo. Já está saindo com outro.

Lurdinha era uma vizinha de prédio e há menos de duas semanas estava toda chorosa porque terminara com o noivo, que foi estudar na França. Bola fora!

– Como tu vai confiar numa mulher daquelas, garoto? Ela mesma me disse que ia sentir muita falta do noivo, que não vivia sem ele e todas aquelas histórias que as mulheres contam para posar de vítimas. Vida que segue? Claro, mas o luto dela durou pouco.

Agora me responda: quem é mais puta? Lurdinha ou a loirinha que está dançando? A outra, pelo menos, não engana ninguém.

– Olha aquele cara ali no balcão. Que música ele te lembra?

No balcão do bar havia um cara de meia idade. Com o olhar vagante, levava o cigarro até a boca, tragava e logo em seguida dava uma golada no copo de uísque. Parecia perdido.

Por trás de um homem triste há sempre uma…

– Perfeito! Chico Buarque. Ainda foi melhor que eu, garoto. Eu havia pensado em Black. Esse cara é a personificação da música do Pearl Jam. Enfim, um babaca. – Me interrompeu enquanto cantava.

– Ele está guardando o luto que a Lurdinha não guardou. – Eu disse.
– Aprende rápido, garoto!
– O papo está bom, Elírio, mas eu preciso partir.
– Beleza, meu bom. Até terça que vem.

Peguei minha carteira, deixei alguns trocados e me despedi. Já passava das onze horas e quarta-feira é dia de luta.
Assim que saí do bar meu telefone tocou. Olhei para o nome. Era minha noiva. Guardei o telefone no bolso e não atendi. Hoje não, melhor dormir para não pensar.

5 comments so far

  1. on

    Lembrando que esse é um texto de ficção, portanto verossimilhante. Não é, necessarimente, a opinião do autor. Ou sim. rs

  2. Débora on

    Papo de mulher renderia 200 horas de discussão… 😛

  3. Nina Araújo on

    Pois é meu caro, esse é um dos tipinhos de “mulherzinha” (rima até com Lurdinha) que vemos por aí, e que faz vergonha a raça! (cusp)

    Propaganda enganosa tenho nojo (em ambas as partes), fatão! 😉

  4. Ellen on

    Adorei o texto…é a mais pura realidade, como te disse no msn, fiquei imaginando os exemplos de seu texto. hehe

    Bjão.

  5. Luana on

    Ótimo texto. Me fez lembrar muito da minha querida Lapa… São situações que sempre vemos lá.


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